Ataques em Paris: Prefeituras rejeitam enterros, e corpos de suspeitos viram tema espinhoso

Alguns dos suspeitos dos ataques de Paris; apenas dois foram enterrados (Foto: AFP)


Mais de três meses após os atentados que mataram 130 pessoas em Paris, apenas dois suspeitos foram enterrados até o momento, disseram fontes judiciárias francesas à BBC Brasil.

Prefeituras francesas têm se recusado a autorizar o uso de cemitérios públicos, alegando que eles poderiam se tornar locais de peregrinação mórbida por simpatizantes do radicalismo islâmico.

Os enterros se tornaram uma questão espinhosa para as autoridades da França. Oito corpos ainda continuam no Instituto Médico Legal de Paris, e incertezas pairam sobre o local de seu sepultamento.

A lei francesa prevê três possibilidades para os enterros: as duas primeiras são a cidade onde o morto residia ou o local onde morreu – no caso dos atentados, isso se limita a Paris e ao município de Saint-Denis, onde ocorreu a tentativa de ataque ao Stade de France e o cerco policial que matou o suposto mentor dos ataques, Abdelhamid Abaaoud.

A terceira possibilidade é o enterro na cidade onde reside a família.

Relutância

Legalmente, prefeituras não podem se recusar a conceder um túmulo se sua cidade se enquadra em uma das três possibilidades previstas na lei. Mas, na prática, nem sempre isso acontece.

Após alguns meses de controvérsias, o francês Omar Ismaïl Mostefaï, um dos suspeitos do atentado à casa de shows Bataclan, onde morreram 90 pessoas, foi enterrado em 12 de fevereiro em uma sepultura anônima do setor dedicado a muçulmanos em um cemitério de Thiais, na periferia de Paris.

O cemitério, a 20 km da capital, pertence à prefeitura parisiense.

Mostefaï acabou sendo enterrado ali depois de os prefeitos de Chartres, seu último endereço conhecido, e de Romilly-sur-Seine, onde residem seus pais, se recusarem a receber seus restos mortais.

Éric Vuillemin, prefeito de Romilly-sur-Seine, afirmou que utilizaria todos os meios jurídicos para evitar o "enterro de um personagem sinistro” na cidade, citando preocupações com a segurança e a tranquilidade públicas.

“Não quero nenhum lugar de peregrinação, se é que podemos chamar dessa forma o caso de uma pessoa que cometeu os atentados de 13 novembro”, disse Vuillemin.
Foto não datada cedida pela família de Samy Amimour, um dos suicidas que atacou o Bataclan, em Paris, na noite de 13 de novembro (Foto: AFP Photo/Amimour Family)
Samy Amimour foi o primeiro a ser enterrado
(Foto: AFP Photo/Amimour Family)

O prefeito de Chartres, Jean-Pierre Gorges, alegou que Mostefaï não tinha endereço próprio na cidade desde 2012. Ele moraria, segundo o prefeito, de favor na casa de um morador local e por esse motivo não haveria obrigação legal de enterrá-lo ali.

“Estou aguardando que me provem qual era o domicílio oficial dele até 2015”, disse Gorges. “Esse cara só passou por Chartres. E uma jovem da cidade morreu no Bataclan”, afirmou, insinuando que isso já seria um motivo para não enterrar no município um dos autores desse ataque.

Após os protestos dos dois prefeitos, levou ainda cerca de um mês para que Mostefaï fosse enterrado discretamente em Thiais, na presença de membros da família, antes do horário de abertura do cemitério.

Samy Amimour, também suspeito do atentado no Bataclan, foi o primeiro a ser enterrado, no final de dezembro, em uma sepultura anônima no cemitério de La Courneuve, nos arredores de Paris.

Marrocos

No caso de Hasna Aït Boulahcen, prima do suposto mentor Abaaoud, o enterro virou tema de debate internacional.

A família da francesa de origem marroquina quer enterrá-la no Marrocos. Mas o advogado dos parentes, Fabien Ndoumou, disse à BBC Brasil que “há problemas” com as autoridades do país africano.

O corpo de Hasna permanece no Instituto Médico Legal de Paris, apesar de a Justiça francesa ter emitido a autorização para seu sepultamento há cerca de um mês, segundo o advogado.

Hasna também morreu na operação policial em Saint-Denis, cindo dias depois dos atentados.

A família do francês Bilal Hadfi, acusado do ataque suicida ao Stade de France, também teria solicitado o enterro no Marrocos, segundo a imprensa francesa. Hadfi vivia na Bélgica. O consulado do Marrocos na periferia de Paris nega ter recebido o pedido.

Dois dos autores da explosão no Stade de France seriam iraquianos, segundo informações do grupo autodenominado Estado Islâmico, que assumiu a autoria dos atentados. Eles entraram na Europa com passaportes sírios verdadeiros, mas que pertenciam a pessoas mortas.

Como os dois homens ainda não foram formalmente identificados, a Justiça francesa não concedeu autorização de sepultamento.

É tido como pouco provável que os corpos sejam repatriados ao Iraque, caso seja realmente essa a nacionalidade deles.

Controvérsias em relação aos locais de sepultamento já ocorreram com autores de outros atentados na França. Said Kouachi, um dos responsáveis pelo ataque a tiros à ao escritório da revista satírica Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, teve inicialmente enterro negado na cidade de Reims.

O prefeito da cidade afirmou que não queria no local uma sepultura de alguém que poderia ser considerado “mártir” por certas pessoas.

Mas ao saber que seria derrotado em um tribunal administrativo, o prefeito acabou permitindo o sepultamento em um túmulo anônimo.

Enterros desse tipo são realizados fora do horário de funcionamento dos cemitérios, invariavelmente em túmulos não identificados. As famílias também preferem isso para evitar que as sepulturas sejam vandalizadas.

Fonte: G1



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