Jovem que socorreu motorista após acidente com helicóptero luta contra doença rara: 'Não sou Mulher Maravilha'

Leiliane mostra o desenho e que recebeu com a ilustração como heroína — Foto: Glauco Araújo/G1

Leiliane Rafael da Silva, 28 anos, recebeu diagnóstico de Malformação Arteriovenosa (MAV) em novembro do ano passado, pouco mais de um mês após o nascimento de sua filha caçula.


Quem viu a força da vendedora Leiliane Rafael da Silva, 28 anos, que venceu o metal da fuselagem do caminhão que se chocou com o helicóptero em que estava o jornalista Ricardo Boechat, não poderia imaginar que ela também luta pela própria vida. Além do jornalista, o acidente matou o piloto do helicóptero na última segunda-feira (11), na Rodovia Anhanguera.





Leiliane recebeu o diagnóstico de Malformação Arteriovenosa (MAV) em novembro do ano passado, pouco mais de um mês após dar à luz Livia, hoje com 4 meses. “O primeiro hospital chegou a chamar minha família e falar que eu tinha um tumor cerebral maligno e que eu não tinha chance de vida.”

As malformações arteriovenosas (MAVs) são uma doença rara, provocada por defeitos no sistema circulatório, uma anormalidade vascular, que atinge principalmente o cérebro. Os sintomas mais comuns são dor de cabeça crônica, tontura, convulsões, hemorragia, perda da coordenação motora e até perda de memória. A doença pode ser tratada com cirurgia transcraniana; tratamento endovascular por cateterismo e radiocirurgia (radiação atinge exclusivamente o tecido cerebral doente).

Com a mesma vontade com que socorreu o motorista João Adroaldo, 52 anos, das ferragens do caminhão atingido pelo helicóptero, Leiliane também insiste em viver.





“Já tinha tido minha filha e, em novembro, comecei a sentir que estava doente. Começou a adormecer o braço direito, depois a perna direita, depois a voz começou a ficar enrolada, até eu ter a convulsão e ir parar no hospital. Ninguém sabia o que eu tinha”, disse ela.

Ao lado da família, ela superou a desinformação inicial até receber o diagnóstico preciso. “Os médicos falaram que sentiam muito por mim, por eu ter 28 anos, três filhos. Aí descobri que tinha a doença chamada MAV, que dizem que é mais perigosa que um câncer, porém tem tratamento.”





E é na expectativa de se tratar e fazer a cirurgia necessária no cérebro que ela que se apoia para pensar no futuro.

“Minha filha nasceu com 4 quilos de parto normal, que durou 25 minutos. Quando sentei numa cama para exames na recepção, a criança nasceu em cima da cama. Os médicos chegaram e ela já tinha nascido. O médico até falou que o esforço do parto poderia ter provocado a minha morte.”
Leiliane ao lado de sua filha Livia e de sua mãe Luciene. 'Não sou Mulher Maravilha' — Foto: Glauco Araújo/G1

Agitada, disposta e, como ela mesma se define, “ligada no 220 V”, Leiliane disse que pretende viver muito ainda. “Não vou morrer agora, não vou mesmo. Tenho 28 anos e se as veias não estouraram até agora, não vai estourar mais. Quero viver, quero ver meus filhos crescerem, quero ver netos. Tenho de durar muito tempo, pelos menos até uns 70 anos”, disse ela, aos risos.





O marido dela, o operador de máquinas Marcio Manuel, disse que o momento do acidente foi muito rápido, incluindo a ação repentina da mulher em prestar o socorro.

“Entrei na contramão da via, foi espontâneo, eu estava sem celular e ela com o celular no bolso. Antes de ela descer eu peguei o celular dela para filmar e mostrar para a mãe dela o que ela estava fazendo, como ela é teimosa”, disse ele.

A preocupação era por conta da recomendação médica para que ela não fosse submetida a nenhum tipo de estresse, nem fizesse esforço. “Foi justamente o oposto que ela fez.”





“Ela não podia fazer esforço, não podia pegar peso. Dei bronca nela que ela não poderia ter feito, mas só de pensar que ela salvou uma vida, fiquei orgulhosa”, disse a mãe Luciene Terto da Silva, 53 anos.
Leiliane posa ao lado da família na fachada da casa da mãe, em Pirituba, para onde se mudou após ser diagnosticada com doença rara — Foto: Glauco Araújo/G1

É a mesma opinião do pai, Humberto Manoel dos Santos, 57 anos. “Ela não podia ter feito o que fez porque ela poderia ter ido [morrido] ali também. Mas era uma vida e ela conseguiu salvar essa vida”.





Após ficar famosa e até ser comparada com heroína de história em quadrinhos, como Mulher Maravilha, Leiliane recebeu uma boa notícia.

“Fui procurada por um médico neurocirurgião que se ofereceu para fazer o meu tratamento e até a minha cirurgia. Ele disse que eu só precisaria encontrar um hospital para isso. Passei por consulta com ele nesta quarta-feira.”

Leiliane disse que, desde novembro, chegou a ficar internada cinco vezes para fazer a cirurgia, mas em todas as ocasiões o procedimento foi adiado. “Ainda vou viver bastante.”
Leiliane Rafael olha um dos exames que fez para descobrir que tem doença rara — Foto: Glauco Araújo/G1

Mulher Maravilha

O ilustrador Angelo France, 40 anos, acordou na terça-feira (12) com uma imagem fixa na memória e uma inspiração. Ele não conseguiu apagar a cena da vendedora Leiliane socorrendo o motorista de caminhão Adroaldo. A força da mulher foi o que o inspirou para desenhar.





Além da ilustração, ele fez o seguinte post no Instagram: "Minha visão da imagem marcante no momento do acidente que vitimou o jornalista Ricardo Boechat e o piloto do helicóptero, Ronaldo Quattrucci. Heróis reais existem! Leiliane, que assistiu de perto a queda do helicóptero, desce da moto e corre para salvar a vida do motorista do caminhão atingido no acidente. Uma mulher forte, de coragem, que arriscava sua vida enquanto os homens a sua volta apenas se importavam em filmar ao invés de ajudar. Parabéns Leiliane!! Verdadeira Heroína!!!"





Nesta quarta-feira, Leiliane viu o desenho e agradeceu pela homenagem. "Ficou lindo, perfeito. Quem fez o desenho é muito inteligente. Mas eu não sou não heroína, não sou Mulher Maravilha, acho que isso foi um pouco exagerado. Apesar disso, eu fiquei bem parecida, com cara de brava, descabelada, ficou engraçado", disse ela.
Ilustrador Angelo France fez desenho em HQ para homenagear Leiliane Rafaela, que ajudou a socorrer motorista de caminhão após acidente com helicóptero de Boechat — Foto: Reprodução/Redes sociais e Divulgação/Angelo France

Acidente

O acidente com o helicóptero na Rodovia Anhanguera matou o jornalista Ricardo Boechat, de 66 anos, e o piloto Ronaldo Quatrucci, de 56 anos.





Boechat foi velado no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, em uma cerimônia aberta ao público. Depois, o corpo do jornalista foi cremado em cerimônia fechada para familiares e amigos em Itapecerica da Serra.

O piloto da aeronave foi velado e enterrado no Cemitério São Paulo, em Pinheiros, um dia depois do acidente. O piloto era dono da empresa proprietária do helicóptero, a RQ Serviços Aéreos Especializados Ltda.

Segundo a Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero (Abraphe), Quattrucci "seguiu à risca as doutrinas de segurança até o último momento, na tentativa de preservar a vida da tripulação a bordo do helicóptero".





O helicóptero saiu de Campinas, no interior do estado, onde Boechat participou de um evento, e seguia em direção à sede do Grupo Bandeirantes, no Morumbi, Zona Sul. A queda ocorreu na rodovia Anhanguera, junto ao Rodoanel: a aeronave bateu na parte dianteira de um caminhão que transitava pela via.


Fonte: G1 

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