Oito em 10 casos de homicídios não chegam à Justiça; investigações ignoram periferia


Em onze anos, de 2006 a 2016, foram registrados 602.906 assassinatos em todo Brasil, de acordo com o levantamento dos dados do Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os estados, no entanto, não fazem a contabilização e a compilação dos dados de homicídios esclarecidos, tampouco o Ministério da Justiça faz um acompanhamento do percentual de processos de assassinatos com autoria identificada, porém, os poucos dados disponíveis revelam um baixo nível de resolução.





Após o registro do Boletim de Ocorrência, com os dados sobre as circunstâncias da morte, começa a investigação da Polícia Civil, que durante o inquérito fica responsável por descobrir provas ou testemunhas que apontem a autoria do homicídio. O próximo passo é a apresentação do caso à Justiça para julgamento.

Para identificar os parâmetros de eficiência do poder público na investigação das mortes, o Instituto Sou da Paz, baseado em critérios e modelos internacionais, criou uma fórmula para apurar a taxa de esclarecimento de homicídios, ou seja, aqueles casos em que a investigação terminou com a denúncia à Justiça de um autor do crime.

Com os dados disponíveis de apenas seis dos 25 estados brasileiros, o indicador aponta que o índice de esclarecimento é de 20,5%.





Os estados que serviram de dados para o levantamento foram: Pará, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rondônia, São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Cruzando o indicador do Instituto Sou da Paz com as informações do Atlas da Violência, do IPEA, de uma média de 54,8 mil assassinatos que acontecem por ano no Brasil, 44 mil são arquivados na fase de investigação porque não foi possível identificar um suspeito da autoria. De cada dez homicídios, oito não chegam na fase do julgamento.

Para a advogada Dina Alves, ativista e especialista em sistema carcerário, há uma subnotificação dos casos de homicídios, pois há casos que ficam sem o registro policial. Além disso, o pacote anticrime anunciado pelo ministro Sérgio Moro, na semana passada, é ineficiente.





“É um pacote com a promessa de recrudescimento de penas, fato que piora as condições de progressão de regime, aumenta a população carcerária, a letalidade de jovens negros e pobres por intervenção policial, aumento da pobreza e das taxas de vulnerabilidades sociais”, disse.

Por outro lado, segundo a ativista, a falta de dados consolidados sobre os homicídios no Brasil é uma forma de encobrir os crimes cometidos por membros das forças de segurança pública.

“A ausência de dados afeta sobremaneira a forma como se produz conhecimentos na área de segurança pública e as análises políticas. Não considerar essa deficiência nas investigações no pacote do Moro é uma estratégia para manter sob sigilo dos seus governos, estaduais e federais, dados estatísticos reais sobre os assassinatos cometidos por policiais contra a população negra. Embora assassinatos de negros e negras tem chamado a atenção da sociedade civil, como foi o caso da Marielle Franco, por exemplo, muitas outras mortes no interior das hostis prisões e os crescentes velórios nas ruas, não ganham estatísticas”, disse.





De acordo com os dados oficiais, em 2017, foram 63.880 mortes violentas no Brasil, o ano com o maior número de homicídios da história do país. Deste total, 5.144 pessoas foram mortas em decorrência de intervenções de policiais civis e militares.

“Estamos falando de uma polícia que mata pessoas consideradas “suspeitas” portando guarda chuva, uniforme escolar e chuchu”, analisa Alves.

Populismo penal midiático

Os casos de homicídios que recebem maior esforço de investigação são aqueles que têm repercussão na imprensa e envolvem a classe média alta. "O caso Nardoni, por exemplo, teve muito apelo popular e isso influenciou na ação da polícia", disse Dina.





Para o professor de Criminologia e Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Maurício Stegemann Dieter, a cor da pele e a classe social da vítima têm influência no rumo da investigação.

“A morte de jovens negros e pobres não é investigada porque a polícia não atribui a eles qualquer humanidade relevante. Entre policiais é comum repetir, diante desses corpos, "quem matou é lixo, quem morreu é lixo". De maneira que para eles só se abre um registro formal a partir do atestado de óbito e isso fica lá parado na delegacia à espera de arquivamento”, disse.

Por dia,14 pessoas são mortas por policiais no Brasil.

Fonte: Brasil de Fato

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