Das poucas palavras que trocou com a mãe, antes de flagrar o golpista em um shopping de Campo Grande, o estudante João Pedro Martins, de 11 anos, só lembra do momento em que disse: "Mãe, é ele!". E, em seguida, saiu correndo atrás do rapaz, juntamente com o pai, até que testemunhas presenciaram o ocorrido e houve até um acidente de trânsito, em dezembro de 2020.
"No começo, quando levei o golpe, me senti muito culpado, de ter dado o endereço de casa e prejudicar meus pais e meu irmão mais novo. Fiquei assustado, mas, era um sonho de ter um Iphone. Até que veio a empresária para fazer a doação e eu fiquei muito feliz de novo, por mim e por ainda ter pessoas boas nesse mundo", disse ao G1 o garoto.
No dia 15 de dezembro, data marcada para o encontro com a empresária, em um shopping na região norte, é que o inusitado aconteceu. "Nós chegamos e meu pai foi no banheiro. Na frente, tinha uma loja de capinhas e eu fiquei olhando, pensando nas capinhas para o meu telefone. Quando ele estava saindo, o homem [golpista] passou na nossa frente. Eu falei: mãe, é ele! E depois fui correndo atrás com o meu pai", relembrou João.
Anúncio feito por golpista em MS — Foto: Redes Sociais/ReproduçãoNeste momento, ainda conforme o estudante, o pai dele conseguiu abordar o suspeito. "Ele ficou fingindo, falando outro nome e que não era ele. Depois pedimos ajuda de um guarda, mas, ele saiu correndo e nós começamos a correr de novo, quando ele saiu do shopping e a gente estava atrás correndo. Nós paramos lá no final do estacionamento de outra loja, quando um motorista nos viu, parou para ajudar e acabou acontecendo o acidente", comentou.
Na ocasião, ainda conforme o garoto, ficou o pai dele segurando o suspeito de um lado e o motorista do outro. "Meu pai perguntou o motivo dele fazer aquilo e falou que ele tinha que devolver o dinheiro. Outras pessoas também ficaram insistindo, acho que foi só por isso que ele devolveu. Eu chorei muito na hora, foi uma coisa de ficar triste e feliz ao mesmo tempo", falou.
Já em casa, após fazer o boletim de ocorrência do estelionato, o garoto diz que está "curtindo" o aparelho celular. "Eu toco saxofone, então está me ajudando muito, a baixar músicas. E também no estudo, porque antes eu só estudava na apostila e agora consigo assistir as aulas online", explicou.
Anúncio feita pela vizinha para ajudar a localizar o golpista em MS — Foto: Redes Sociais/ReproduçãoComo tudo aconteceu
Para realizar o sonho de ter um iPhone 7, João Pedro vendeu bombons e até o próprio videogame, fazendo uma rifa por cinco meses. Economizou R$ 900 e, com o dinheiro, acertou a compra pela internet. Mas, pouco depois de fechar o negócio e receber o aparelho das mãos do vendedor, descobriu que caiu em um golpe. Ele havia comprado apenas a carcaça — o celular estava oco.
A mãe de João divulgou a história nas redes sociais, e uma empresária se sensibilizou e resolveu doar um iPhone para o menino. Mas, no local da entrega, em um shopping da cidade, a criança reconheceu o golpista em meio à multidão e alertou os pais. O suspeito foi perseguido e houve um acidente de trânsito, mas tudo terminou bem.
"Ele [João Pedro] vivia para cima e para baixo no bairro Universitário, vendendo a rifa e também os bombons. Meu filho é muito dedicado, me ajuda nas tarefas de casa, e nós completamos o valor para realizar o sonho dele", contou a dona de casa Luciene Soares Martins, de 35 anos.
Empresária no momento em que doou celular para menino em MS — Foto: G1 MS"Quando ele viu o anúncio [do iPhone], falei para ele ir salvando tudo, ir com calma. Mas ele estava tão ansioso em ter o aparelho logo que eu acabei cedendo e aceitei que o vendedor viesse aqui em casa", afirmou. Luciene disse que atendeu o suspeito na varanda e fez perguntas a ele.
"O anúncio mostrava o celular com tudo: caixinha, fone de ouvido, carregador e até a nota fiscal. Mas ele chegou aqui com o aparelho na mão e mais um carregador. Eu peguei também, falei que estava muito leve, quando ele [golpista] disse: 'Mas, você já teve iPhone? Porque é assim mesmo, é leve'. Nisso ele começou a encostar no ombro do meu filho, dizer que tinha que receber e ir embora logo, e João Pedro deu o dinheiro", relembrou.
O garoto colocou o aparelho para carregar e, depois de um tempo, viu que não ligava e que se tratava somente de uma carcaça de celular, não havia nada dentro, nem bateria ou circuitos. "Ele chorou muito, ficou muito triste e, mesmo o bandido tendo apagado o anúncio, nós salvamos as conversas que ele teve com meu filho. O nome era falso, mas a foto dele era verdadeira. Fizemos uma postagem [nas redes sociais], e os vizinhos aqui começaram a compartilhar, teve uma grande repercussão", contou.
Uma das pessoas que viu o anúncio foi uma empresária de 34 anos, que prefere não se identificar.
"Eu li e vi que o menino tinha usado todas as economias, além da indignação dos vizinhos, então, decidi doar um iPhone que eu tinha guardado. Só que fui atrás para ver se essa história era verdade mesmo, porque não tinha nem o nome do menino na postagem. Tentei falar com uma das vizinhas, até que descobri que ela era professora em uma escola aqui da cidade", explicou ela. A empresária telefonou para a professora, mas não a encontrou e deixou recado. "Ela me ligou em cinco minutos e falou que a história do menino era verdade. Em seguida, eu liguei para a mãe dele, e ela repetiu tudo, quando eu vi que realmente não era mentira marquei um encontro no shopping, uma semana depois, para dar a ele o aparelho", contou.
Dia do encontro
No dia 15 de dezembro, João Pedro e a família foram até o shopping, no horário combinado com a empresária.
"Eles chegaram um pouco mais cedo e eu tive um imprevisto com um cliente, então, fui ligar para a mãe dele para avisar que me atrasaria um pouco. Nisso, ela ligou gritando, dizendo que o filho dela viu o ladrão no shopping e que estavam correndo atrás dele. Não dá nem para acreditar, mas é exatamente isso que aconteceu", falou.
Na sequência, a empresária diz que estava chegando no shopping, quando viu que tinha ocorrido um acidente de trânsito nas proximidades.
"Eu parei o carro e perguntei para um senhor o que tinha acontecido. Ele me disse que pegaram um ladrão que tinha roubado um celular de um menino e, como ele saiu correndo no meio da rua e gritando, um homem freou para ajudá-lo e outro bateu atrás. Foi neste momento que eu conheci o João Pedro e a família dele, com o ladrão rendido por pessoas ali", afirmou.
Neste momento, a empresária diz que se identificou para a família e começou a ligar para a Polícia Militar (PM).
"A viatura estava demorando demais para chegar, até que falamos lá várias vezes e eles vieram. O ladrão foi para delegacia, devolveu o dinheiro porque tinha acabado de aplicar outro golpe, e a polícia falou que ele estava fazendo várias vítimas, do mesmo jeito. E foi ali naquele ambiente que eu dei o celular para o João Pedro", explicou.
Empresária levou menino, irmão e primos para passeio no shopping nesta quarta-feira (6) — Foto: G1 MSConforme a empresária, o menino chorou, mandou algumas mensagens para ela e então combinaram de um novo passeio, desta vez "mais tranquilo, no shopping, nessa quarta-feira (6). "Foi algo muito improvável, nós poderíamos ter marcado em qualquer lugar e marcamos justamente ali, onde estava o ladrão. E ele estava de máscara, mas usando a mesma roupa do dia do golpe, e o João Pedro reconheceu ele", relembrou.
Presente de Natal e Ano Novo, diz empresária
Nos últimos dias, a empresária fala que conversa com o João Pedro pelo celular. "Ele é bem tímido, se expressa pela música e sempre me manda vídeos tocando instrumentos. É um menino extremamente inteligente, me confidenciou que quer ser veterinário. Ele foi um presente de Natal e Ano Novo para mim, ganhei um amigo, é muito mais que uma simples doação. Ontem nós pudemos conversar, ele brincou no shopping, foi um passeio de verdade", finalizou.
A mãe dele também agradece a atitude da empresária
"Eu fico relembrando tudo e falo que foi um milagre. Ela foi usada por Deus para chegar até nós e acharmos o golpista. Meu filho agora está super feliz e também acredito que todos nós aprendemos uma lição", finalizou.
Fonte: G1
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