Qual o risco real que Bolsonaro enfrenta no Tribunal Penal Internacional?


O presidente Jair Bolsonaro já é alvo de quatro representações criminais no Tribunal Penal Internacional (TPI), Corte sediada em Haia, na Holanda, que julga graves violações de direitos humanos, como genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.

Três delas o acusam de crime contra a humanidade por sua atuação frente à pandemia covid-19, doença que já matou quase 80 mil no Brasil.

A outra representação, apresentada ainda em 2019, pede que o presidente seja investigado por "incitação ao genocídio e ataques sistemáticos contra populações indígenas", devido ao "desmantelamento" de políticas públicas de proteção a esses povos e ao meio ambiente.

A possibilidade de o presidente se tornar alvo do TPI ganhou destaque na semana passada depois que o assunto foi mencionado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes em conversa por telefone com Bolsonaro.

Na sexta-feira (17/07), um dia depois de o Brasil atingir a marca de 2 milhões de pessoas diagnosticadas com covid-19, a hashtag #HaiaParaBolsonaro ficou entre as mais compartilhadas no Twitter no país.

No entanto, apesar do apelo nas redes sociais para que o presidente seja responsabilizado criminalmente pelo TPI, juristas entrevistados pela BBC News Brasil consideram improvável que o brasileiro se torne alvo de investigação na Corte.

'Ataque sistemático'

Juíza do TPI entre 2003 e 2016, Sylvia Steiner disse à BBC News Brasil que a Corte investiga crimes contra a humanidade "praticados dentro de um contexto de ataque generalizado ou sistemático contra a população civil".

Ela cita, por exemplo, o caso de Darfur, no Sudão, em que mais de 2 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar, sendo que 300 mil foram mortas, entre 2003 e 2008, em um conflito marcado por execuções sumárias e estupros.

Por causa desses crimes, o TPI expediu mandado de prisão por genocídio contra o ex-presidente do Sudão Omar Al Bashir. Até hoje, porém, ele não se apresentou à Corte e não pôde ser julgado.

"Uma simples política (de saúde), por mais desastrosa que seja, não necessariamente pode ser entendida como um ataque deliberado contra a população civil. É esse elemento contextual muito particular que, à primeira vista, não me parece presente nessa política desastrada que o governo (de Jair Bolsonaro) está levando adiante em relação à pandemia", afirma Steiner.

O entendimento é o mesmo do juiz criminal Marcos Zilli, professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

"Nos aproximamos de duas décadas de existência do Tribunal Penal Internacional, o que é um período relativamente curto para um órgão jurisdicional internacional que tem a dificílima missão de investigar, processar e julgar os responsáveis pelos mais graves crimes que afetam a consciência internacional", nota ele.

"Os poucos casos até o momento julgados envolvem crimes de guerra e crimes contra a humanidade em contextos muito diversos daquele que se desenha nas representações ofertadas (contra Bolsonaro)", ressaltou.

À BBC News Brasil, Gilmar Mendes confirmou ter falado com "o presidente e assessores do incômodo político de uma representação no TPI, tendo em vista as múltiplas questões existentes (gestão da saúde, índios, meio ambiente)". Ele, no entanto, disse que esse é um tema "lateral". "O problema é a própria gestão no Brasil", enfatizou à reportagem.

Procurada, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República disse que não comentaria o assunto.

'Capacidade limitada'


Para Sylvia Steiner, a representação que acusa Bolsonaro de incitação ao genocídio de indígenas, teria, em tese, mais possibilidade de dar início a um investigação pela Procuradoria da Corte, do que as reclamações criminais sobre a atuação de Bolsonaro na pandemia.

Mas, mesmo nesse caso, ela considera improvável que isso ocorra, já que um dos critérios para se iniciar uma investigação no TPI é que fique demonstrada incapacidade ou falta de vontade do sistema de Justiça nacional para apurar e punir eventuais crimes.

Dessa forma, nota Steiner, a Corte costuma voltar sua atenção a casos de extrema gravidade, em países com instituições de Justiça mais precárias que as brasileiras.

"Acho muito difícil que o Tribunal, com a capacidade limitada que tem, vá se ocupar dessas representações (contra Bolsonaro)", disse Steiner à BBC News Brasil.

FONTE: BBC News Brasil

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